Não se trata mais de futurologia, mas sim de meta: novos centros urbanos devem ser sustentáveis e, principalmente, capazes de dar poder ao cidadão de decidir sobre o que se passa ao seu redor – o que alguns estudiosos chamam de “direito à cidade”. Com seu efeito rápido, a proposta das Parcerias Público-Privadas também já não aparecem mais como tímidas forças presentes nessas discussões – são propostas concretas, e estarão cada vez mais no centro da roda.
O século XXI não pede por cidades novas, mas por novas cidades. A escolha por um modelo mais eficiente de gestão e por políticas públicas que tornem o que já temos mais humano e habitável é o centro da agenda de diversas organizações no mundo. Especialistas debatem sobre novas formas de se viver em uma metrópole – e ao mesmo tempo, propostas de gestão dessas grandes massas humanas ganham adeptos e críticos.
São Paulo adotou a bicicleta como alternativa ao transporte. Sistema público de empréstimo é gerido por PPP. Foto de Milton Jung/Flickr
Para isso, podemos contar com a sorte de vivenciar as experiências de um grande laboratório: a grande São Paulo, a maior metrópole do hemisfério Sul, lar de quase 10% da população brasileira, está em nosso noticiário todo dia. Com sua extensão territorial gigantesca, com estruturas plurais e população maior que a do Chile ou da Holanda, SP se tornou palco de experiências diversas, tentando-se adequar aos novos tempos e tornando-se o mais humana possível. Falo aqui não apenas de projetos pontuais, mas da forma como eles podem ser feitos. Chegou a hora de debater seriamente as parcerias entre governos e serviços privados na criação de uma nova metrópole paulistana.
O Habitat III, congresso que a ONU realiza a cada 20 anos sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano, apresentou um documento final, no mês passado, definindo uma nova proposta de ação, baseado em cidades mais humanas e que empoderem os seus cidadãos. O Smart City Expo, realizado anualmente em Barcelona e uma referência no debate de urbanismo, também discutiu a necessidade de rearranjar as duas esferas do poder (a pública e a privada) de forma mais harmônica, em relações que beneficiem ainda mais os grupos presentes na sociedade como um todo.
Um dos principais dispositivos para isso é uma conhecida na nossa discussão política: a PPP – Parceria Público-Privada. Elas não são novidade para nós: foram regulamentadas por lei em 2004, mas existem desde Dom Pedro II. Em sua gênese, a PPP consiste do patrocínio ou administração de algum bem público por uma entidade privada, como empresas e fundações.
De volta ao caso paulistano, cada vez mais esses exemplos ocorrem pela cidade: dois bancos gerem uma rede de empréstimos gratuitos de bicicleta – e um desses bancos também cuida dos equipamentos públicos de praças no centro da cidade. Projetos na área da iluminação e da saúde também avançam com esse tipo de parceria.
As PPPs, por mais debates que suscitem, se apresentam como uma proposta de desenvolvimento coerente com os novos desafios urbanos: com uma demanda cada vez maior da sociedade pelo corte de impostos, o Estado fica com menos verba para todas suas tarefas. Este sistema – onde o poder público tem total controle e deveres sobre a cidade – passa nessa década por uma séria crise de identidade.
Para resolver esse entrave, as parcerias são modelos atraentes aos três lados do negócio: empresas veem uma chance de estimular sua imagem de responsabilidade social, e os órgãos públicos enxergam o desafogo da própria máquina pública. A população, é claro, aproveita-se dos bens negociados entre as partes. Em tempos de governos-empresários, devemos ouvir cada vez mais esta sigla – João Doria, prefeito-eleito de São Paulo, inclusive prometeu criar uma secretaria especial para elas a partir de janeiro de 2017.
A Linha-4 amarela do metrô paulistano é a primeira PPP do país. Foto: divulgação
Não digo aqui que todas as PPPs sejam sinônimos de acertos. Em São Paulo, a Linha 4-amarela do Metrô, primeira PPP do Brasil, ainda não está concluída – planejada para 2010, será concluída, se nada atrasar mais, em 2019. O sistema dessa linha, gerido por uma concessionária não traz muitas vantagens em relação ao metrô das outras linhas, geridos pelo governo do Estado de São Paulo. Em cidades-irmãs da capital paulista, como Lisboa, as PPPs são comuns, mas também fruto de polêmica.
Mas o sistema tem pontos importantes a serem aproveitados – e a legislação é a melhor forma de evitar o que se entende como o principal problema da PPP: a interferência de uma esfera na outra. O momento é de ação, afinal de contas 66% da população mundial, segundo a ONU, viverão em zonas urbanas em 2050.
Não se trata mais de futurologia, mas sim de meta: novos centros urbanos devem ser sustentáveis e, principalmente, capazes de dar poder ao cidadão de decidir sobre o que se passa ao seu redor – o que alguns estudiosos chamam de “direito à cidade”. Com seu efeito rápido, a proposta das Parcerias Público-Privadas também já não aparecem mais como tímidas forças presentes nessas discussões – são propostas concretas, e estarão cada vez mais no centro da roda.
Originalmente publicado no Huffpost: https://www.huffpostbrasil.com/rodrigo-reis/as-parcerias-publico-privadas-no-debate-contemporaneo-sobre-urba_b_13151190.html