Na última sexta-feira (17), o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, anunciou a nomeação do general-de-divisão da reserva, Carlos Alberto dos Santos Cruz, para liderar a revisão de alto nível de mortos e feridos em missões de paz em razão de atos violentos. Sob a supervisão do general, a equipe reportará recomendações de curto e longo prazo a Guterres, como também medidas para reduzir o número de vítimas.
Esta não é a primeira vez, porém, que o brasileiro é indicado para uma grande missão da ONU. Com mais de 40 anos de experiência militar em segurança pública nacional e internacional, Santos Cruz já liderou duas missões de paz: Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), de 2007 a 2009, comandando cerca de 12 mil militares, e a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), de 2013 a 2015, coordenando em torno de 23,7 mil militares de 20 países, sendo o único brasileiro do batalhão.
“Fui convidado [à missão] no Congo porque quando fui comandante no Haiti usei a força sem causar nenhum efeito colateral, que é o que interessa para a ONU. Quando o Congo estava numa situação já muito especial, a ONU lançou um mandato autorizando que fosse feito tudo necessário para derrotar os grupos rebeldes. Isso trouxe muita discussão dentro da ONU, porque ia contra a ideia da missão de paz, porém era necessário”, explica o general, sobre o fato da MONUSCO ter sido a primeira missão onusiana, desde a década de 60, a entrar em combate contra os mais de 50 grupos rebeldes e milícias atuando no país congolês em prol da proteção de civis, equipes humanitárias e defensores de direitos humanos.
“Uma missão de paz não quer dizer que as tropas tenham que ser pacíficas todo o tempo. Você tem de usar força porque, muitas vezes, é a linguagem que o outro lado entende. Basta expandir o conceito de legítima defesa. Se você agir apenas depois que um ataque ocorreu, já foi, a chacina já aconteceu, mulher foram estupradas e crianças sequestradas. A única forma de evitar isso é se antecipar às ações dos grupos, desarmá-los, desmobilizá-los e impedir que atuem”, continua.
Durante os dois anos que atuou na MONUSCO, Santos Cruz afirma que a maior dificuldade que enfrentou liderando tantos militares foi a de estimular seus subordinados a ter iniciativa e a se dispor a correr um certo nível de risco. “Se foi pra lá o problema é seu. Ou então não vai. É difícil convencer as pessoas e os países [que atuam na missão] não encaram o problema como sendo deles, ninguém quer ir para lá pra morrer por um problema que não é seu. Tem que viver aquilo. Os interesses são muitos: político, por dinheiro, mas na hora de correr risco não tem disposição”, lamenta Santos Cruz, que chegou a estabelecer 83 tropas ao longo do leste do país, região onde se concentram os grupos rebeldes.
Engajado na missão, o general já correu alguns riscos na República Democrática do Congo (DRC), como ter seu helicóptero alvejado por rebeldes, passar nove dias inteiros em combate com um grupo armado para libertar a cidade de Goma (ao leste do país) e ter uma arma apontada para si por uma criança-soldado, que “deveria ter no máximo 13 anos”.
“Minha característica pessoal é sempre estar no meio do furacão, é questão de personalidade. Preciso fazer pessoalmente, participar do conflito, ficar na primeira linha. E é normal levar tiro, acontece”, explica Santos Cruz, que prefere não detalhar à mulher e filhos suas aventuras nas missões fora do Brasil.
Com estas experiências no currículo, o general presidirá a revisão sobre mortes e ferimentos dos boinas-azuis em atos violentos como uma forma de analisar a situação, identificar os maiores problemas e encontrar soluções para a redução de mortes nestes casos.