A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) esteve no Brasil para analisar a situação dos direitos humanos. Após uma semana averiguando temáticas como violência no campo, trabalho escravo, migração, combate ao discurso de ódio e pessoas privadas de liberdade, a Comissão divulgou relatório com observações preliminares e 71 recomendações ao Brasil, baseadas no que foi visto e discutido.
Após 25 anos sem realizar uma visita ao Brasil com um maior grau de complexidade, a inspeção contou com seis delegações, compostas por diversos Comissários, liderados pela Presidenta Margarette May Macaulay. A CIDH realizou uma série de reuniões com movimentos sociais, poder público e sociedade civil a fim de reunir informações relacionadas às violações de direitos em oito Estados: Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Roraima, Mato Grosso do Sul e Pará, além do Distrito Federal.
A Comissão visitou instituições estatais (incluindo centros de detenção), centros de atendimento para pessoas em situação de rua, centros de recepção e assistência a migrantes e refugiados, quilombos, territórios de comunidades indígenas e bairros periféricos.
De acordo com a CIDH, a percepção é a de que houve uma “retração na garantia de direitos nas mais diversas áreas”. No relatório preliminar, a Comissão identificou que os principais desafios do Brasil para a garantia dos direitos humanos estão relacionados à “violência contra ocupantes de terras rurais improdutivas; a situação de servidão forçada dos trabalhadores rurais; a existência de grupos de extermínio; a violência policial e sua impunidade e tortura como método de investigação; a competência dos tribunais militares para julgar crimes comuns cometidos pelas polícias estaduais (“militares”); violência contra mulheres, meninas e adolescentes; discriminação racial; a situação da população indígena; os problemas das crianças em situação de rua; a situação do sistema penitenciário; e a situação da administração da justiça, incluindo o Ministério Público”.
Segundo afirma Jefferson Nascimento, assessor do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos, “a visita da CIDH acontece em um momento importante para a garantia dos direitos humanos no Brasil. A análise sobre as violações e as recomendações que serão enviadas pela Comissão em seu relatório final, a partir de informações coletadas no terreno, servirão como instrumentos norteadores para o fortalecimento de políticas públicas de defesa de direitos”.
Ele lembra, ainda, que a CIDH é o órgão principal na promoção e defesa dos direitos humanos nas Américas, além de ser responsável por monitorar o andamento e efetivação dos compromissos assumidos pelos países em acordos internacionais voltados a esta temática e por acompanhar “casos de violações graves e sistemáticas dessas garantias, que afetam de forma mais intensa grupos vulneráveis da sociedade”.
Conheça 10 das 71 recomendações divulgadas:
- Fortalecimento estrutural e orçamentário do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, garantindo a implementação de medidas efetivas e eficazes de proteção;
- Garantir que os povos afrodescendentes tradicionais quilombolas, povos indígenas, camponesas e camponeses; possam usar e desfrutar de seus territórios historicamente ocupados, implicando o seu reconhecimento, titulação, delimitação e demarcação por meio de procedimentos especiais e com a participação de tais grupos;
- Assegurar a reparação adequada, rápida e abrangente para todas as vítimas de violência policial e seus familiares, incluindo apoio financeiro, assistência médica e psicológica, bem como medidas que evitem a sua revitimização;
- Fortalecer a política pública de erradicação de trabalho escravo, oferecendo condições materiais para as operações do Grupo Móvel de Fiscalização e proporcionando a publicação periódica do cadastro de empregadores flagrados por exploração de mão de obra escrava (“lista suja”);
- Adotar as medidas judiciais, legislativas, administrativas e outras necessárias para reduzir a superlotação e aplicar a prisão preventiva de acordo com os princípios de excepcionalidade, legalidade, proporcionalidade e necessidade;
- Promover a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade, incorporando uma perspectiva de gênero e abordagens diferenciadas;
- Criar uma política sobre drogas com uma abordagem integral e de reinserção social, para que o tratamento de pessoas que tenham sido presas por uso ou posse de drogas, ou que tenham cometido crimes menores devido ao seu uso problemático ou dependente, não seja feita a partir de uma perspectiva repressiva e criminalizadora, mas por uma abordagem de saúde pública;
- Garantir o reconhecimento do status de refugiado às pessoas venezuelanas com um temor fundado de perseguição em caso de retorno à Venezuela, ou que considerem que sua vida, integridade ou liberdade pessoal seria ameaçada devido ao fundado temor de perseguição baseada em raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, bem como à situação de violência, a grave e generalizada violação dos direitos humanos e graves perturbações da ordem pública;
- Desenvolver um sistema de segurança pública eficiente, avançando de forma prioritária a redução das altas taxas de homicídios e crimes violentos no país, e programas de prevenção da violência;
- Fortalecer os mecanismos de controle formal (Corregedorias, Ouvidorias e Inspeções), com capacidade para conduzir processos de correção transparentes, de forma autônoma e para combater abusos ou desvios de poder.