*Texto produzido pela delegação do Diplomacia Civil para o UN Forum on Business and Human Rights: Ana Carolina Queiroz, Ana Flavia Rizelo, André Ferraço, Beatriz Lucca, Camila Amélio, Guilherme Ramos, Lorena Chaves, Luciano Tavares, Luiz Felipy Leomil, Marília Gradin e Nathália Brandão.
Durante a sexta edição do UN Forum on Business and Human Rights, realizado nesta última semana entre os dias 27 e 29 de novembro, na sede das Nações Unidas em Genebra, Suíça, a Conectas Direitos Humanos – organização não governamental, com atuação na América Latina, África e Ásia – apresentou em painel o caso do rompimento da barragem de Fundão, que culminou no desastre ambiental da cidade de Mariana (MG), em novembro de 2015. Completados dois anos do ocorrido, as vítimas seguem no aguardo de reparação por danos causados não só às suas moradias como também por afetar a principal fonte de renda da região, a pesca.
Intitulado “Settlement agreements and international standards on right to effective remedy: lessons from the Mariana dam disaster”, o painel contou com a participação de representantes da Conectas, uma vítima do desastre, acadêmicos, advogados e o presidente do Grupo de Trabalho da ONU para Direitos Humanos e Empresas, Surya Deva. A sessão tinha o objetivo de analisar as distintas fases de negociação de acordos em desastres sócio-ambientais de larga escala, a exemplo do ocorrido em Mariana, apontando as limitações das ações reparadoras propostas neste processo.
Shubhaa Srinivasan, advogada do escritório inglês Leigh Day, enfatizou que a desproporção de poderes entre as empresas e as comunidades afetadas torna extremamente complexo o diálogo entre as partes. Srinivasan sugeriu que esta assimetria, manifestada tanto em termos financeiros, quanto em termos de acesso às informações disponíveis e ao conhecimento, compromete o alcance de uma solução reparadora favorável às comunidades. A advogada defende, ainda, a importância da independência das partes nos processos de acordo.
Ainda durante o painel, Regiane Soares, pescadora local afetada pela tragédia, relatou a atual situação vivenciada pelas comunidades da região e afirmou que o primeiro contato com as vítimas, logo após o desastre, foi feito pela empresa Samarco e que, após a criação da Fundação Renova (fruto de acordo firmado entre a empresa, o Governo de Minas Gerais, o Governo Federal, dentre outros, responsável por implementar e gerir os programas voltados à reparação dos impactos causados pelo rompimento da barragem), mantiveram-se os mesmos funcionários no diálogo, no intuito de que os moradores percebessem a fundação mais como uma representante da Samarco, mas a palestrante denuncia que a organização é percebida como um agente partidário das empresas.
Regiane, agora ativista e uma das principais porta-vozes do movimento que busca a reparação dos danos causados, apelou para que o meio ambiente seja recuperado de forma sustentável, afirmando que a comunidade não pode depender, a longo prazo e continuamente, de empresas e iniciativas externas para sobreviver. Ainda segundo Regiane, os moradores apelam para que o habitat seja recuperado, uma vez que o rio, a água e outros recursos naturais são fonte de renda majoritária e garantia do trabalho de todos na localidade.
Ela afirmou, por fim, que os acordos referentes ao processo de reparação são, muitas vezes, feitos a portas fechadas, o que dificulta o acesso à informação por parte da comunidade, considerando o processo “anti-democrático” e ineficaz para a devida reparação de todas as perdas incorridas.
O discurso de Regiane foi amplamente aplaudido pelos espectadores, sendo um dos raros momentos em todo o fórum em que um representante de uma comunidade diretamente atingida por ações provocadas por corporações empresariais pôde tomar um local de fala, muitas vezes ocupado por terceiros.
O Governo brasileiro, por meio de um representante, esteve presente no painel e afirmou que está aberto ao diálogo com todas as partes envolvidas, encorajando a participação da sociedade civil e da Academia neste debate. Em seu discurso, o representante esclareceu, ainda, que o Governo carece de maiores informações e, muitas vezes, acompanha o desdobramento dos eventos através da imprensa internacional. Ele destacou, porém, que inúmeras medidas foram adotadas logo após a tragédia e que os acordos estão em fase de revisão, por ordem do Ministério Público Federal. O coordenador da Conectas, Caio Borges, porém, afirmou que os acordos de reparação estão estagnados.
A situação de Mariana evidencia não só a fragilidade de mecanismos da proteção dos direitos humanos no Brasil como também serve como lição para entendermos o quanto ainda precisamos avançar, no que tange, principalmente, à relação entre atores privados e as potenciais vítimas cujos direitos fundamentais foram violados.
Considerado o maior desastre ambiental da história do Braisl, o desaparecimento gradativo do caso Mariana nas discussões públicas no país reforça a importância de se abordar esse caso internacionalmente. A grande magnitude do ocorrido manifesta, ainda, a necessidade de abordá-lo em fóruns internacionais dedicados aos estudos sobre a violação de direitos humanos por empresas, como o UN Forum on Business and Human Rights.
As discussões em curso, sobretudo relacionadas às medidas de reparação aos atingidos, reacendem a esperança de se encontrar fórmulas reparadoras que satisfaçam plenamente as demandas das vítimas de violações de direitos humanos em todos os âmbitos: financeiro, ambiental, cultural e memorial – à luz das boas práticas e dos princípios internacionais.
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