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Idioma, documentos e desinformação: como os refugiados enfrentam o mercado de trabalho no Brasil

Após traçar um incansável caminho pela sobrevivência, os refugiados que chegam ao Brasil enfrentam um novo desafio para se inserir na sociedade: encontrar emprego regularizado. As dificuldades começam já no domínio do idioma e vão até às empresas que, muitas vezes por desinformação, têm receio em acolher refugiados na sua equipe de funcionários.

Desde 1997, a lei brasileira de refúgio garante aos refugiados e solicitantes a emissão da Carteira de Trabalho, do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) e do Cadastro de Pessoa Física (CPF). Em 2013, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) assinaram um Memorando de Entendimento, que promove a inserção de refugiados e solicitantes de refúgio no mercado de trabalho através de medidas de apoio para que abram seus próprios negócios e a inserção em ações e programas como abono salarial, microcrédito produtivo orientado e qualificação profissional.

Seguindo esta linha de incentivo, o Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (Parr), criado por João Marques Fonseca, sócio-diretor da firma de consultoria em imigração EMDOC, ajuda os refugiados, desde 2011, a conquistar um espaço no mercado de trabalho.

O Parr promove a conscientização das empresas para a situação dos refugiados e solicitantes de refúgio e busca parcerias e apoio com empresas privadas e organizações em prol do refúgio, além de auxiliar na elaboração e divulgação de currículos. Segundo Marília Cintra, responsável pela coordenação do Parr, o projeto contava até 2015 com 135 empresas cadastradas, a maioria ofertando vagas para auxiliar de serviços gerais, auxiliar de limpeza, ajudante de obras, eletricista, costureira, recepcionista e officeboy.

“Em 2015 contamos 134 refugiados contratados através do Parr. Apesar de termos começado no final de 2011, foi apenas em 2014 que começamos a movimentar mais este número, somando quase 100 contratações só naquele ano. Desde a criação do projeto já foram cadastrados cerca de 1080 currículos, o que faz do Parr o segundo maior banco de dados de refugiados e solicitantes aqui em São Paulo, atrás apenas da Caritas”, afirma Marília.

A Caritas-SP, através do Centro de Acolhida para Refugiados, faz a seleção daqueles que já podem inscrever o currículo no programa, uma vez que estão preparados psicologicamente e com a documentação em dia. Entre as principais nacionalidades cadastradas estão República Democrática do Congo, Nigéria, Síria, Angola e Colômbia.

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Foto: Divulgação

O Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (CATe), da Prefeitura de São Paulo, também intermedeia postos de trabalho com empresas privadas e elabora currículos, além de oferecer cursos de qualificação e marketing profissional, emitir documentos como a Carteira de Trabalho, auxiliar na obtenção do seguro-desemprego e na inscrição em cursos.

Os atendentes fazem o cruzamento dos dados do candidato com as vagas disponíveis para localizar as mais adequadas ao perfil do trabalhador e, caso haja, o refugiado é encaminhado ao processo seletivo.

Segundo Luciana Cavalcanti, gerente do Programa de Diversidade e de Gestão de Pessoas do CATe, as áreas que mais contratam são as de serviços, como a de construção civil, restaurantes e frigoríficos, setores que mais empregam em São Paulo e não exigem a comprovação de escolaridade reconhecida no Brasil.

Até agosto de 2014, o CATe encaminhou quase dois mil imigrantes e refugiados a vagas e até o ano passado empregou sete refugiados para atendimento na unidade do CATe Luz (sendo de nacionalidade paquistanesa, congolesa e colombiana). Lá, eles oferecem atendimento bilíngue a imigrantes e refugiados que ainda não dominam o português, além de atender pessoas com necessidades especiais e população LGBT e a ministrar palestras sobre o mercado de trabalho em diferentes idiomas.

Dificuldades
Apesar de todo apoio e políticas de incentivo, os refugiados ainda se deparam com grandes dificuldades para conseguir emprego. A começar, a barreira do idioma é um fator preocupante. A Caritas oferece cursos de português através de parcerias com empresas e escolas, mas o número de vagas não cobre a quantidade de pessoas na lista de espera, que aumenta a cada mês.

Outra questão está relacionada à validação de documentos e diplomas, que comprovam o nível de escolaridade, formação técnica ou universitária. Segundo Adelaide Guabiraba, assistente social da Caritas, os sírios são o grupo que chega mais preparado ao Brasil, apresentando mais documentos a ser validados. “Até um tempo atrás, angolanos e congoleses eram os que menos traziam documentos consigo, hoje em dia, porém, percebo que eles vêm mais preparados”, conta.

Adelaide explica, ainda, que os documentos devem passar por uma tradução oficial e, no caso de diploma, seu reconhecimento pode levar dois anos para ser validado. “O refugiado que não traz diploma ou comprovante de conclusão do equivalente ao Ensino Médio tem que comprovar através de uma prova ou supletivo. Encaminhamos a um curso de suplência em uma escola pública próxima a ele e, em pouco tempo, o refugiado faz o que precisa para se formar no colégio”.

O caso de formação universitária ou técnica, porém, é mais complicado. O refugiado deve fazer uma prova oral e escrita de português e depois uma prova técnica. “Muitos perdem por não ter conhecimento no idioma. Podem ser doutores em suas áreas, mas não sabem português”, lamenta Adelaide. A prova para revalidação do diploma leva tempo para ser aprovada e, com isso, os refugiados procuram qualquer oportunidade de trabalho, na maioria das vezes fora da sua área de domínio.

“Eles têm necessidade de ganhar dinheiro para poder se manter e construir uma nova vida aqui. O maior orgulho deles é o primeiro registro em uma Carteira de Trabalho. Significa o início da vida no Brasil”, afirma.

Uma terceira dificuldade é encontrada entre as empresas. Por falta de informação, muitos donos de empresa têm receio de contratar refugiados por acharem que não são escolarizados ou criminosos que precisaram fugir do país de origem.

“Sai um pouco do procedimento das empresas contratar um refugiado, porque ele não tem comprovante de residência e, muitas vezes, comprovante de escolaridade e a empresa tem que aceitar isso. Acho que mais que dificuldade, eles têm desconhecimento, achando que refugiado não é qualificado, não teve educação. Geralmente, quando vamos visitar uma empresa, contamos que os refugiados têm ensino técnico, superior e vários têm pós-graduação e isso deixa as pessoas surpresas”, comenta Marília.

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Caritas e Parr conscientizam empresas para a contratação de refugiados. Foto: Divulgação/Facebook

Segundo Adelaide, uma cartilha foi criada com a finalidade de conscientizar e informar melhor as empresas sobre a contratação de refugiados, o que tem ajudado a minimizar o preconceito e a sensibilizar para a causa do refúgio.

“O que ainda existe é o desconhecimento quanto à legislação trabalhista, pois algumas empresas acreditam que a contratação de refugiados segue uma lógica e legislação diferenciada, o que não é verdade, pois desde que o refugiado esteja regularizado no país, poderá fazer sua Carteira de Trabalho e ser contratado por qualquer empresa, de acordo com as normas trabalhistas brasileiras”, explica Luciana.

A gerente conta, ainda, que existe um grande desconhecimento por parte das empresas e bancos em relação ao documento do refugiado, o RNE, o que dificulta até mesmo a abertura de contas bancárias. “Este é um direito e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania firmou o Termo de Cooperação com os bancos públicos Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, a fim de garantir a ‘bancarização’ de imigrantes no município”.

O CATe promove ações para orientação e apoio às empresas, organizando também encontros e eventos que discutem a contratação de trabalhadores refugiados. O CATe conta com a parceria de cerca de 13 empresas, onde foram contratados 109 refugiados.

A iraniana R.J. trabalhou durante 10 anos como guia de turismo em seu país. Atualmente, ela vive no Brasil há dois anos e explica que a dificuldade em encontrar emprego se tornou uma barreira que achava que não passaria. No seu primeiro ano como refugiada, R. afirma que enviou currículos a mais de 60 empresas.

“Foi muito difícil pra mim. Estava desesperada, precisava de emprego. Até que me aceitaram como garçonete, mas não contei isso à minha família, porque essa profissão não é vista com bons olhos no meu país. Passei alguns meses trabalhando escondido como garçonete. Não era um trabalho que esperava fazer, mas precisava dele”, lembra.

A iraniana, por fim, foi contratada como assistente de comércio em agosto de 2014. Vendendo livros, ela diz que sentiu dificuldade em se comunicar com clientes, que não entendiam seu português: “isso me deixava frustrada, mas me agarrei ao emprego e tentava sempre melhorar”. Agora, a empresa passa por cortes para se manter e terá que desligar a iraniana de suas funções. “Estou de volta à procura por emprego, mas me sinto mais confiante. Busco algo no setor de turismo, de preferência”.

Mulheres
Entre as mulheres refugiadas, o desemprego é ainda maior. Quando chegam ao Brasil, muitas estão sozinhas, grávidas ou com filhos e, excluídas de agarrar oportunidades nos setores de construção e da indústria pesada, suas chances de contratação são menores. A falta de vagas em creches públicas é outro agravante para o problema, visto que não podem deixar os filhos sozinhos em casa ou levá-los para o trabalho.

“Às vezes sentimos sim dificuldades em recolocar mulheres, mas estamos em fase de elaboração de um projeto, em parceria com a ONU Mulheres e o Pacto Global, para abordar esta questão”, confirma Marília.

Segundo Adelaide, muitas mulheres não trabalhavam em seus países de origem e acabam não encontrando no Brasil o apoio de outro adulto, cuidando de crianças em idade escolar que, muitas vezes, estudam em escolas diferentes, o que complica ainda mais suas chances de assumir um trabalho. Muitas refugiadas, porém, demonstram interesse em ter seu próprio negócio na área de costura e artesanato.

Cadastrando uma empresa
Os interessados em cadastrar vagas de sua empresa no Parr devem acessar o site do programa (www.refugiadosnobrasil.com.br/cadastro.asp) e informar os dados necessários. Quando finalizado, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) avaliará a empresa para aprová-la ou não, seguindo critérios como não ter histórico de trabalho escravo e não ser dos setores de bebida, cigarros ou armamentos.

Já para cadastrar vagas no CATe, os empregadores devem entrar em contato com a Central de Captação de Vagas através do telefone 3397-1507 ou pelo email solicitacaodevagas@prefeitura.sp.gov.br, cumprido o processo do cadastro, a vaga ficará disponível no Sistema Nacional de Emprego (Sine) e o CATe encaminhará candidatos.

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