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Internet, liberdade de expressão e direitos humanos no Brasil

Internet, liberdade de expressão e direitos humanos no Brasil

Nas últimas décadas, a internet se tornou uma das ferramentas mais essenciais no cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. Ademais, mesmo com seu lento desenvolvimento nas décadas de 1960 e 1970, a rede global de computadores chega nos dias de hoje com mais de 4 bilhões de usuários. Proporcionando um espaço digital para o compartilhamento de ideias e produtos, a internet também vem sendo cada vez mais utilizada por movimentos e atores políticos, a fim de angariar doações, militantes e votos.

No Brasil, a internet desempenha um papel relevante, uma vez que, segundo Gustavo Brigatto para o Valor Econômico (2020), cerca de 80% da população tem acesso a ela. O uso de aplicativos e redes como o Facebook e o WhatsApp são comuns em diferentes estratos sociais da população, interligando eventualmente grupos e favorecendo o compartilhamento de ideias e falas, especialmente de conteúdo político em um país que, genuinamente latino americano, passa por crises políticas, econômicas e sanitárias.

Sendo abertos a milhões de usuários ocasionalmente, esses fluxos de informações crescentes suscitam o debate sobre a liberdade de expressão na internet, que ganhou ainda mais força com as Eleições de 2018. No período, muitos acusaram o então candidato Jair Bolsonaro e seus grupos de apoio mais próximos de manipular a opinião pública pelo compartilhamento de notícias falsas – as fake news. Esse fenômeno se fez presente como um fator político não apenas no Brasil, mas também fortemente nos Estados Unidos a partir das eleições de 2016, no Reino Unido no referendo do Brexit, também em 2016, e em outros países. Em outros contextos, o uso de notícias falsas também afeta igualmente áreas como saúde e segurança pública.

A Internet na Pandemia

Com a pandemia de Covid-19, o uso de aplicativos de mensagens instantâneas, por exemplo WhatsApp e Telegram, assim como outras redes sociais, foram utilizadas para repassar mensagens contra o uso de máscaras e a favor de medicamentos com eficácia não comprovada contra o novo coronavírus. As notícias falsas também fizeram vítimas da violência, especialmente na Índia.  Aliás, isso aconteceu depois de violentos linchamentos provocados por informações falsas compartilhadas no WhatsApp. Sobretudo, o país indiano alertou a companhia para agir contra essa tendência, segundo a BBC News, culminando na limitação de encaminhamentos de mensagens (WHATSAPP…, 2018).

Dentro de todo esse contexto, nacional e internacional, do impacto da internet na proliferação de notícias falsas, o Brasil viu seu poder legislativo lançar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News, em setembro de 2019, proposta pelo deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP). No Senado Federal, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) é o relator doProjeto de Lei 2630 de 2020, conhecido como lei das fake news (CPMI…, 2019). Posteriormente, em junho, o projeto foi aprovado pelo Senado e repassado à Câmara dos Deputados, mesmo tendo quase 55% de votos contrários no E-Cidadania, plataforma de consulta pública do Senado.

Polêmica

O projeto polêmico foi aclamado por alguns grupos à esquerda do espectro político, mas o descontentamento e o receio da amplitude e abstração do texto levantaram suspeitas em parte significativa da população. A legislação permitiria a coleta de dados de conteúdos classificados como fake news, a nomeação de usuários pelas companhias digitais e a aplicação de sanções, como a suspensão temporária ou proibição permanente das atividades de empresas de comunicação no país (BRASIL, 2020). A partir desse ponto, o projeto contribuiria para o enfraquecimento da liberdade de expressão no Brasil, uma vez que o uso de uma legislação abstrata desse tipo pode ser deturpado por motivações políticas.

A Human Rights Watch (HRW), uma das principais ONGs internacionais de defesa e observação dos direitos humanos, publicou em junho de 2020 um comentário contrário à aprovação do projeto, citando uma declaração de diversas organizações internacionais sobre as “proibições gerais à disseminação de informações”, que deveriam ser evitadas. Desse modo, a HRW apontou que “[o PL] restringiria de forma desnecessária e puniria inclusive com penas de prisão a livre expressão de opiniões protegidas legalmente e o exercício da liberdade de associação, além de enfraquecer a privacidade das comunicações” (2020, n.p).

Cicatrizes da Internet

Como os direitos humanos são inalienáveis, não se pode escolher ter um e tirar outro. O 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, de forma clara: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (ONU, 1946). Assim, o PL 2630 de 2020 oferece um instrumento político passível de ser utilizado para o cerceamento do direito universal à liberdade de expressão. Então, o Brasil, que passou por dois períodos ditatoriais nos últimos 100 anos, carrega consigo ainda as marcas da censura.

Fontes:

  • BRASIL. Projeto de Lei 2630/2020. Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Brasil: Senado Federal, 2020. Acesso em: 25 fev. 2021.
  • BRIGATTO, Gustavo. Acesso à internet cresce no Brasil, mas 28% dos domicílios não estão conectados. Valor Econômico. São Paulo, 25 mai. 2020. Acesso em: 25 fev. 2021.
  • ESTUDO da ONU revela que mundo tem abismo digital de gênero. ONU News. [S.l.], 6 nov. 2019. Acesso em: 25 fev. 2021.
  • HUMAN RIGHTS WATCH (HRW). Brasil: Rejeite o projeto de lei sobre “fake news”. São Paulo, 24 jun. 2020. Acesso em: 25 fev. 2021.
  • ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. ​Declaração Universal dos Direitos Humanos​. 1946. Acesso em 25 fev. 2021.
  • WHATSAPP limita mensagens na Índia após notícias falsas levarem a linchamentos. BBC News Brasil. [S.l.], 20 jun. 2018. Acesso em: 25 fev. 2021.
  • CPMI das Fake News é instalada no Congresso. Agência Câmara de Notícias. [Brasília], 4 set. 2019. Acesso em: 25 fev. 2021.

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