A necessidade de medidas mais duras no campo político e econômico tem centralizado poder na mão de autocratas e minado regimes democráticos.
Não é de hoje que o autoritarismo ameaça a democracia. Durante inúmeros momentos a humanidade passou por avanços e retrocessos nos graus de participação política. Após a última onda democrática que vivemos entre os anos 80 e 90, com o fim dos regimes autoritários socialistas e dos ciclos militares na América Latina e Ásia, criou-se uma falsa impressão de que a democracia havia chegado para ficar, pelo menos em grande parte do mundo. No entanto, nos últimos anos assistimos o recrudescimento e radicalização política, em vários países, crises e mais crises reacenderam movimentos e líderes autoritários.
A relação entre autoritarismo e o combate à COVID-19
A pandemia provocada pelo novo coronavírus tem causado a falsa impressão de que países com regimes mais duros combatem de maneira mais assertiva a propagação do vírus. Regimes de exceção, lei marcial, legislação por decreto, cerceamento da liberdade de imprensa e expressão, restrição a movimentação nacional e internacional e aumento dos orçamentos estatais têm sido as principais ferramentas que regimes autoritários estão utilizando contra a pandemia como forma de aumentar seu poder. Todas essas medidas têm sido defendidas em nome da contenção a pandemia.
Por ter agido rápido e ter conseguido um número relativamente baixo de morte e infectados, a China e outros países asiáticos reforçam a ideia de que o autoritarismo é mais eficiente no combate a crises. Um Estado forte consegue mobilizar recursos de maneira mais rápida e eficiente. No entanto, por trás dessa propaganda existe o controle forte sobre a informação, o que mascara os números e cria falsas impressões.
As diferenças entre medidas adotadas por Autocracias e Democracias durante a pandemia
Por mais que muitos estados tenham adotado medidas de concentração de recursos e poder, vemos a diferença entre um grupo de estados, com democracias mais consolidadas, que estão usando essas ferramentas e dispositivos constitucionais para lidar com a pandemia, mas com previsão para a volta da normalidade institucional. Em contraponto, existe outro grupo de países com governos autoritários que se aproveitam desse momento para se consolidar no poder através de mudanças institucionais permanentes, concentrando poder no executivo, usando o pretexto das fake news sobre o Coronavírus para retirar liberdades de impressão e expressão e usando os lockdowns para perseguir a oposição e grupos minoritários.
Principais e mais preocupantes exemplos de autoritarismo durante a pandemia do novo Coronavírus:
- Hungria
O Parlamento concede ao primeiro ministro Viktor Orban poderes quase ilimitados, sem prazo de validade.
- Camboja
A lei de emergência permite que o governo tome qualquer medida “apropriada” para combater a pandemia, incluindo a apreensão de propriedades e a imposição de lei marcial. As penas incluem dez anos de prisão.
- Sérvia
A lei de emergência dá poderes de legislar ao presidente de forma indiscriminada. Novos poderes incluem a imposição de toque de recolher.
- Turquia
Até 90.000 prisioneiros serão libertados para evitar a disseminação da covid-19 nas prisões. Presos políticos excluídos.
- China
Ativistas são presos em Hong Kong. O governo cria uma brecha na Lei Básica do território, que protege as liberdades de Hong Kong, para perseguir esses grupos.
- Índia
O partido no poder culpa os muçulmanos pela disseminação do covid-19. O governo demorou a reprimir os rumores sobre os muçulmanos cuspirem em alimentos. Muçulmanos sofrem linchamento por todo país
- El Salvador
Mais de 2.000 pessoas presas por violar regras de distanciamento social. A Suprema Corte ordena que o governo pare arbitrariamente de colocá-los em centros de detenção superlotados. O Presidente Nayib Bukele recusa.
- Uganda
A polícia invade um abrigo para pessoas LGBTQI’s, 20 pessoas gays e transgêneros são presos. Eles são acusados de violar regras de distanciamento social.
- Togo
O presidente pode governar por decreto. O dinheiro de ajuda é destinado àqueles com carteira de eleitor, que os partidários da oposição não têm depois de boicotar as últimas eleições.
Conclusão
Esse movimento de tendência para o autoritarismo está sendo acelerado pelas múltiplas crises que vivemos, na saúde pública, na economia e na política internacional.
Um ponto importante para ficarmos atentos é a no uso da vigilância digital que muitos governos têm usado no combate a disseminação do coronavírus, para restringir movimento e vigiar pessoas infectadas. Em tempos pós pandemia essa ferramenta pode ser usada como instrumento de vigilância, inteligência e informação para estados autoritários controlarem a oposição e grupos minoritários.