Foi no espaço da Faculdade Zumbi dos Palmares, localizada no amplo Centro Esportivo Tietê, que se deu início ao segundo dia do 7o Fórum Social Mundial das Migrações. O evento, que já foi realizado em outros países da América, Europa, Ásia e África, reúne há mais de 10 anos organizações sociais, redes de movimentos sociais, refugiados e migrantes para compartilhar experiências e propostas sobre as migrações mundiais.
Buscando expandir o tema da migração nos seus mais diversos âmbitos, o evento oferece mais de 60 palestras, oficinas e debates por dia, que vão desde temas sobre a inclusão de migrantes no sistema social, como “Mulheres Imigrantes e a Previdência Social” e “O paradigma dos Direitos Humanos na nova Lei de Migração no Brasil”, até críticas em relação ao racismo em São Paulo, a diáspora africana moderna e música e culturalidade de determinados países, como Congo e Haiti.
Como forma de manter a troca de culturas, o intervalo conta com uma feira gastronômica onde, ao invés de oferecer os velhos pratos conhecidos por todo brasileiro, dá lugar a barracas do Congo, Haiti, Colômbia, Peru, Síria e muito mais, resultando em uma horda de participantes ansiosos em provar um pedacinho de novas nacionalidades.
Enquanto isso, o grupo boliviano Kantuta se apresenta, com muita música, dança e roupas típicas, arrancando aplausos merecidos.
O ambiente animado e diversificado recebe traços de apreensão quando o assunto é o futuro das políticas de migração e refúgio no Brasil.
O país é considerado referência mundial quando o assunto é acolhida de refugiados e migrantes, e sua legislação de refúgio se consagra como vanguardista, tendo um conceito ampliado de refúgio, além de estabelecer uma autoridade central para o assunto, que é o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), o qual reúne membros dos Acnur e da sociedade civil.
Nos últimos anos, o Brasil tem recebido um número crescente de refugiados e migrantes latino-americanos. Suas políticas de acolhida têm sido aplaudidas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), servindo até mesmo de exemplo para outros países.
Em 2013, o governo facilitou o ingresso de sírios e haitianos ao criar um visto especial, que agiliza o processo para ambos os casos – que apesar de diferentes, se assemelham na questão da emergência e da alta quantidade de pessoas atingidas. Desde então, mais de dois mil sírios chegaram às terras tupiniquins.
Esta política de “braços abertos”, porém, ganhou um toque de alarme para as organizações voltadas à migração e refúgio quando, em junho deste ano, o governo suspendeu as negociações com a União Europeia para receber cerca de 100 mil sírios, os quais fugiram de seu país por conta de uma guerra que já dura 5 anos.
A suspensão foi ordenada pelo novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que está seguindo uma nova postura, mais rígida, do presidente interino quando o assunto é a entrada de estrangeiros no Brasil.
Esta situação vai contra a política do governo Dilma e, por conta disso, tem gerado uma onda de apreensão entre as organizações voltadas a este assunto. Segundo uma funcionária de uma das organizações, que preferiu não se identificar, a cessão das negociações com a União Europeia foi o primeiro baque e que este pode ser um aviso para o que virá a seguir.
Ainda assim, segundo ela, não é possível definir que o governo interino se fechará completamente para o assunto, como está acontecendo em alguns países europeus, porque ainda não houve uma reunião oficial com o CONARE e, assim, não se sabe se haverá mudanças, mas as probabilidades não são animadoras. “Estamos esperando para ver o que irá acontecer. Nos preocupamos que os vistos humanitários sejam suspensos e que a estrutura da legislação retroceda, enquanto a tendência é que deveria apenas melhorar cada vez mais”, diz.
Apesar disso, o Ministério da Justiça já afirmou que os vistos especiais para sírios afetados pelo conflito não sofrerá nenhum tipo de revisão, tendo validade até setembro de 2017 (esta validade, inclusive, já foi renovada uma vez).
Outra preocupação das organizações são as políticas de combate ao preconceito contra migrantes e refugiados. O Brasil é um país onde a exclusão social está fortemente presente, fazendo com que boa parte dos imigrantes acabe se inserindo neste grupo e se vejam obrigados a ocupar a parte marginalizada das cidades, como São Paulo.
Seja pela cor, idioma ou cultura, é possível ver nas ruas de boa parte das cidades brasileiras que recebem imigrantes e refugiados situações de preconceito de alta preocupação, como os casos de assassinato de haitianos.
“Todos os brasileiros são descendentes de imigrantes, então por que negar essa condição e se recusar a entender a situação do refugiado e do imigrante atual?”, diz Basilée, refugiado congolês que vive no Brasil há cinco anos.
O fórum segue até este domingo (10), na Faculdade Zumbi dos Palmares, das 8h30 às 21h.