Entre as falácias da vida social está assumir que negociação é uma arte. Falar em arte implica, em primeiro lugar, tratar um fenômeno como algo acabado, pronto, e que não envelhece jamais. Significa também atribuir ao agente central características inatas, habilidades associadas à uma dádiva, a um “talento natural”.
Negociação não tem a ver com isso. Negociação tem a ver com processo e contexto, com autoconhecimento e interdependência. É, portanto, uma competência que requer estudo, repertório e, acima de tudo, treino. Esse é um dos casos em que, de fato, como diria o ditado, “practice makes perfect”. Ninguém, portanto, nasce sabendo negociar. Nos desenvolvemos a partir do nosso apetite ao risco de tentar.
Há inúmeras técnicas de negociação; métodos experimentados no mundo todo por décadas a fio. São instrumentos direcionados a planejamento e condução, gestão de percepções e emoções, e, claro, também sobre a importância da comunicação ao longo da jornada. Qualquer um que almeje tornar-se um exímio negociador deve dominar esse léxico.
Para quem está no começo da caminhada, no entanto, nenhuma lição é mais valiosa do que essa: saiba que toda boa negociação gira em torno da criação de valor e não da reivindicação de valor. Em outras palavras, trata-se de negar a premissa de que, em situações de negociação, “só é possível haver um vencedor” e que é preciso fazer o necessário para ficar com as maiores vantagens imagináveis. Ao contrário disso, negociações exitosas atribuem o mesmo peso ao objeto negociado e ao relacionamento entre as partes. A finalidade da negociação é encontrar um caminho para que todos realizem suas expectativas, identifiquem interesses ou descubram meios específicos para compartilhar e coordenar os recursos existentes. É isso que diferencia uma barganha focada no curto prazo de uma negociação com vistas ao futuro: a primeira atinge os resultados pretendidos, mas compromete novas negociações, a segunda reconhece a importância de acomodar interesses no presente com ênfase nos ganhos mútuos de longo prazo.
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Nesse processo de tomada de consciência sobre o nosso poder de agência durante a negociação, também é importante reconhecer que boas negociações se atêm objetivamente aos interesses em disputa e não versam sobre as posições dos negociadores (ie. convicções, crenças, valores ou visões de mundo). Essa premissa corresponde ao ponto central de diferentes métodos consagrados entre os especialistas, como é o caso do Program On Negotiation (PON), que se desenvolveu no seio da escola de Direito da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Barganhas posicionais, como são chamadas na literatura especializada, costumam produzir resultados insensatos, além de serem ineficientes e de colocarem em risco a confiança entre os negociadores.
Por fim, aos negociadores de primeira viagem, cabe reforçar a centralidade que a capacidade de nos comunicarmos tem durante o processo de barganha. Isso significa reconhecer, entre outras coisas, que saber ouvir é tão importante quando saber expressar-se com clareza. Como diria Marshall Rosenberg, pai do conceito de “comunicação não violenta” (CNV): “uma comunicação empática reconhece o valor de nos concentrarmos nos sentimentos e necessidades que todos temos, em vez de pensarmos e falarmos segundo rótulos desumanizadores ou outros padrões habituais”. Em termos simples, para uma negociação bem sucedida, é preciso afastar-se de julgamentos moralizantes e voltar-se à observação e vocalização daquilo que embasa os nossos desejos e expectativas.
No fim do dia, como diria Andy Warhol: “os seres humanos nascem solitários, mas em todos os lugares estão acorrentados por elos de interatividade. As ações sociais são formas improvisadas, geralmente corajosas, às vezes ridículas, sempre estranhas. E de certa forma, toda ação social é uma negociação, um compromisso entre desejos”. Negociamos o tempo todo, todos os dias. O que separa bons e maus negociadores não é seu talento inato, mas, precisamente a escolha que alguns fazem no sentido de aprender como fazer isso melhor.