Apenas uma semana após comemorações e militância pelo Dia Internacional da Mulher, o Brasil amanheceu em choque com a notícia do assassinato de Marielle Franco, 38, vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e do motorista Anderson Pedro Gomes, na noite desta quarta-feira (14), na região central do Rio de Janeiro.
Segundo informações da polícia, enquanto voltava do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, Marielle teve o carro emparelhado por indivíduos que dispararam pelo menos nove vezes contra ela, seu motorista e a assessora de imprensa, Fernanda Chaves, a qual foi apenas atingida por estilhaços e não corre risco de vida.
O crime gerou grande comoção e revolta por parte dos brasileiros, órgãos políticos e organizações internacionais. Em nota, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) condenou os assassinatos e apelou para que “essa investigação seja feita o quanto antes, e que ela seja minuciosa, transparente e independente para que possa ser vista com credibilidade. Os maiores esforços devem ser feitos para identificar os responsáveis e levá-los perante os tribunais”.
Seguindo a mesma linha, a Anistia Internacional pediu que o Estado faça uma investigação imediata e rigorosa do crime. “Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco”.
Ao longo desta quinta-feira, manifestações agitam as principais cidades do país. Às 11h da manhã o corpo de Marielle foi velado sob aplausos e gritos de apoio, na Câmara Municipal do Rio. Para esta tarde, outros atos contra o genocídio de jovens negros e o feminicídio acontecem em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Florianópolis, Natal e Curitiba. Em Salvador, ato em homenagem à vereadora foi realizado na tenda Povo Sem Medo, durante o Fórum Social Mundial (FSM), pela manhã.
O assassinato da vereadora repercutiu na imprensa internacional, ganhando destaque no noticiário da televisão estatal Televisión del Sur (Venezuela). Jornais americanos (como New York Times, ABC, The Washington Post e News Deeply), peruanos (El Comércio) e espanhóis (El País) também publicaram sobre o crime.
Em Buenos Aires, Argentina, o Mães da Praça de Maio, movimento que faz semanalmente protestos pelas vidas tiradas de seus filhos, chama todos à praça nesta quinta-feira para clamar por justiça a Marielle Franco. Já em Paris, França, grupo se organiza no sábado para marcha em memória à vereadora.
Diante de toda comoção com o crime, mais de 50 deputados do Parlamento Europeu pediram nesta quinta-feira, em documento oficial, a suspensão imediata de um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul que estava em desenvolvimento. “Esse assassinato se produz em um clima de crescente violência no Brasil e em particular na cidade do Rio de Janeiro. A política de segurança do Governo brasileiro e do Estado do Rio de Janeiro, baseada essencialmente no aumento da presença de corpos policiais e militares (e que culminou na intervenção do Exército brasileiro), não fez mais do que agravar o clima de violência no país”, declara trecho da carta, assinada por outros 51 europarlamentares do Grupo da Esquerda Unitária Europeia.
O documento pede, ainda, que a Comissão Europeia “suspenda as negociações comerciais, de forma imediata”, com o Mercosul, “exigindo do Brasil uma investigação independente, rápida e exaustiva que permita alcançar a verdade e a justiça”.
Críticas e incômodo
Quinta vereadora com maior quantidade de votos (46.502) no Rio de Janeiro e nascida em um dos maiores conglomerados de favelas do Rio, o Complexo da Maré, Marielle militava pelos direitos humanos desde que prestava o pré-vestibular comunitário e, em fevereiro deste ano, tornou-se relatora de uma comissão de vereadores que acompanha o trabalho de militares durante a intervenção federal na cidade. Ela era contra a ação do governo federal.
Recentemente, criticou a violência policial contra jovens negros no bairro de Acari em suas redes sociais. “O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!”, postou a vereadora no Twitter há cinco dias.
Marielle se intitulava “cria da Maré” e seu trabalho tinha grande destaque para as mulheres negras de favela, tendo se formado socióloga pela PUC-Rio e mestra em administração pública pela UFF, com teses voltadas à própria realidade em que nasceu. A vereadora deixa uma filha de 19 anos.