As eleições para a presidência dos Estados Unidos chamaram a atenção do mundo inteiro durante o último ano todo, principalmente devido à importância do país para as relações internacionais contemporâneas. A ansiedade tomou conta de todos na reta final da campanha eleitoral. Os candidatos, Hilary Clinton e Donald Trump não eram vistos como os melhores concorrentes à Casa Branca por alguns e a vitória do segundo causou furor. Os principais meios de
comunicação europeus, sejam eles de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadores, ficaram profundamente assustados com a perspectiva de Donald Trump liderar a única superpotência do mundo. Até mesmo proeminentes
pensadores conservadores nos Estados Unidos veem Trump como uma ameaça à democracia estadunidense e, possivelmente, ao mundo em geral.
Mas mesmo se Trump tivesse perdido a eleição, a pergunta teria sido como aproximadamente a metade dos votos válidos da principal democracia ocidental poderia apoiar um homem tão desqualificado para ser o líder mais poderoso do mundo. Agora todos se perguntam como será o governo de Trump, pois, se lembrarmos de Hobbes, o que mais gera medo no ser humano é o desconhecido. E o governo de Trump ainda é uma incógnita até mesmo para os
analistas mais experientes. Entretanto, tentaremos delinear possíveis quadros da política externa para o Oriente Médio a partir dos discursos e posturas tomadas pelo novo presidente estadunidense na campanha eleitoral.
O Oriente Médio é um espaço em branco no mapa para Trump. Ele tem sido duramente criticado por sua falta de know how em política externa, inclusive não conseguindo distinguir o Hezbollah do Hamas, durante entrevista. Em mesma
medida, Trump cita regularmente as políticas israelenses atuais, que já dividem a comunidade judaica americana, como sendo bem-sucedidas e replicáveis para os Estados Unidos. Ele cita o polêmico muro que divide Israel e Palestina como um exemplo a ser replicado pelos Estados Unidos em relação ao México, e tem apelado repetidamente para a expulsão das famílias de “terroristas”, mais um ponto controverso da política israelense de demolir casas de supostos terroristas. Muitos críticos de Donald Trump o acusaram de explorar atos realizados pelo Estado Islâmico e o medo do terrorismo para intensificar um movimento anti-islâmico e alavancar apoio.
A nova abordagem da política externa de Trump (de acordo com os discursos proferidos durante a campanha eleitoral) baseia-se nos Estados Unidos que fazem “bons negócios”; e recebem “reembolsos”; por proteção ou intervenção no
exterior. Dessa forma, a imagem dos EUA como “salvadores da pátria” por intervir em diversas questões mundo afora não fará mais sentido, contrariando as tradições americanas familiares da política neoconservadora ou liberal
intervencionista. Como parte desta abordagem dos interesses dos EUA, o presidente eleito regularmente proferiu que deixassem Putin, Assad e o ISIS lutarem sozinhos na Síria.
Enquanto isso, para Israel, apesar da comemoração imediata, essas escolhas de Trump não serão nem um pouco favoráveis. Quanto mais os Estados Unidos saírem da região, mais Putin e seus aliados de fato, especialmente o Irã e o Hezbollah, fortalecerão sua oposição a Israel.
Donald Trump gosta de se vangloriar de suas credenciais pró-Israel. Entretanto, quando questionado pela primeira vez se Jerusalém deveria ou não ser a capital de Israel e se a Embaixada dos Estados Unidos deveria ser movida para lá, ele se recusou a dar uma resposta clara. Assim, Donald Trump não mostrou nenhum fundamento ideológico, além de “tornar a América grande novamente”, que garantisse que ele apoiaria Israel em tempos difíceis, o que torna um pouco
contraditória a comemoração exacerbada e prematura de alguns ministros israelenses. Ele já mostrou pouca vontade em defesa da independência de outros Estados contra inimigos maiores. Por exemplo, quando questionado se
acreditava ou não que a Ucrânia deveria fazer parte da OTAN, disse que não se importava. Ele não sente nostalgia por apoiar aliados estratégicos do último século: “Se alguém atacar o Japão, temos que ir imediatamente e começar a
Terceira Guerra Mundial, se nós somos atacados, o Japão não precisa nos ajudar. De alguma forma, isso não parece tão justo. Isso parece bom.”, disse Trump.
O destino de Israel em termos de sua dependência militar e estratégica em relação aos EUA estaria sujeito a uma espécie de oportunismo errático baseado nos caprichos de Donald Trump e nos últimos temas de sua mentalidade de bunker.
Os contornos dessa política externa ainda nascente deixam os países do Oriente Médio sem “orientação” internacional e com dúvidas crescentes sobre a sobrevivência das coalizões que lá se formaram. Será que a coalizão ocidental na luta contra o Estado Islâmico persistirá até o fim do mandato de Obama, quando não há garantia de que Trump gostaria de mantê-la funcionando? A coalizão árabe liderada pela Arábia Saudita e o Iêmen será sustentável sem o apoio estadunidense, caso Trump decida que “seus” Estados Unidos estão isentos de compromissos anteriores? As definições “pró-ocidentais” e “anti-ocidentais” que se tornaram vinculadas aos países da região ao longo das últimas décadas significam alguma coisa?
Todos os dilemas agora enfrentados pelos líderes da região também serão afetados pelas relações que surgem entre a Rússia e os Estados Unidos. A grande preocupação é que a coalizão iraniano-russa na Síria também se
expandirá para o Iraque, caso os Estados Unidos decidam que seu trabalho está finalizado.
Esta expectativa já está perturbando a Arábia Saudita, onde numerosos artigos na imprensa afirmam que, a partir de agora, o principal desafio será deter a expansão da influência do Irã. Além disso, o reino saudita não pode contar com
as promessas de Trump de reabrir e retrabalhar o acordo nuclear do Irã. Legalmente ele não pode fazê-lo, uma vez que o acordo não é apenas entre os Estados Unidos e o Irã, mas também entre cinco outras potências e o Irã.
No plano estratégico, se Trump decidir assumir uma posição isolacionista, abriria as frentes síria e iraquiana à influência iraniana. Se ele tentar mexer com o acordo nuclear, o Irã será capaz de retratar os Estados Unidos como a parte que viola o acordo e pedir a ajuda de outros, especialmente da União Europeia, para manter as sanções levantadas ao longo prazo.
É evidente que ainda temos que esperar para concluir qualquer análise sobre a política externa do governo Trump, mas baseado em seus discursos, entrevistas e declarações podemos esperar reviravoltas.
Karina Stange Calandrin é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e assistente de projetos no Instituto Global Attitude.
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