Compondo apenas 8% da população mundial, a América Latina contabiliza pelo menos um terço dos homicídios no mundo, sendo considerada a região mais violenta do planeta, segundo dados das Nações Unidas. Junto ao Caribe, cerca de 145 mil pessoas são assassinadas ao ano – o equivalente a mais de 400 mortes diárias. Esta é a única região onde a violência letal tem crescido firmemente desde 2000, com um aumento de 3,7% ao ano, de acordo com o Instituto Igarapé.
Um a cada quatro homicídios no mundo acontecem em apenas quatro países: Brasil, Venezuela, México e Colômbia. No ano passado, somente no Brasil, foi registrado um recorde de 63,808 pessoas assassinadas.
O México, por sua vez, já contabiliza 31,174 homicídios somente este ano. Na cidade de Acapulco, com uma população de 800 mil pessoas, 953 foram assassinadas em 2017, número maior que os registrados pela Itália, Espanha, Suíça, Portugal e Holanda combinados.
A título de comparação, entre os anos de 2000 e 2017, a América Latina e Caribe contaram com 2,5 milhões de assassinatos, o que significaria a morte de toda a população da cidade de Chicago (EUA). Estes números superam até mesmo os dos conflitos armados deste período, como a Guerra da Síria, Iraque e Afeganistão, onde 900 mil pessoas foram mortas no total. Ainda comparando, nestes 17 anos foram contabilizadas 243 mil mortes por ataques terroristas, segundo a University of Maryland’s Global Terrorism Database.
No Brasil, a maioria das vítimas são jovens negros, mortos em geral por armas de fogo. Entre os anos de 2000 e 2015, segundo estatísticas do governo, 1,379 bebês com menos de um ano de idade morreram violentamente no país e 30 mil dos assassinados neste mesmo período tinham mais de 60 anos.
Um estudo de 10 anos sobre casos de homicídio em Belo Horizonte aponta que investigações policiais costumam durar uma média de 500 dias, julgamentos duram cerca de 10 anos e em um quarto dos casos o suspeito sai livre por falta de recursos. Ainda de acordo com o estudo, 7% dos suspeitos foram assassinados antes mesmo que suas sentenças saíssem – muitas vezes o crime é cometidos pela própria família da vítima, cansada de esperar por justiça.
Por conta da alta violência no Rio de Janeiro, desde 2016 uma conta no Twitter chamada “Onde Tem Tiroteio” alerta seus seguidores sobre ocorrências em diversas regiões. Em apenas um dia, a conta tuitou 22 ocorrências de tiros e suas respectivas localidades.
No caso do México, os números podem ser ainda maiores, visto que muitas vítimas são jogadas em covas anônimas, queimadas ou postas em moedores de cana. Em Tijuana, por exemplo, Santiago Meza confessou à polícia ter dissolvido mais de 300 pessoas em ácido, a mando de um cartel local, ganhando o apelido de “sopeiro”.
El Salvador possui a maior taxa de homicídio do mundo com 83 ocorrências por 100 mil habitantes e, nos últimos anos, um número cada vez maior de famílias na América Central tem fugido para os EUA por conta da violência da região. Gangues e grupos armados como o MS-13 e o Barrio 18 criaram um estado de terror, controlando até mesmo os locais onde a população tem autorização para ir à escola ou conseguir auxílio médico.
Segundo um estudo divulgado pela Vanderbilt University, o maior fator para alguém emigrar de Honduras ou El Salvador não é por idade, gênero ou situação econômica, mas sim por já ter sido vítima de múltiplos crimes no último ano. Um quarto das crianças habitantes de um distrito em Honduras sofrem de estresse pós-traumático causado por violência, de acordo com o Banco Mundial.
Mas qual seria o motivo para tanta violência?
Com um histórico violento e sangrento de colonização, a América Latina possui a maior disparidade entre ricos e pobres. Uma grande parte da economia é considerada informal, operando fora do controle governamental e sem pagar impostos, o que cria uma cultura à margem da lei. Além disso, há a atuação de poderosos grupos de crime organizado, associado a Estados fracos, tomados por corrupção.
A demografia também desempenha um papel neste quadro: a América Latina possui uma população mais jovem que as demais regiões, além de um sistema de educação ineficiente. No Brasil, apenas 27% das pessoas com 25 anos ou mais completaram o ensino médio.
A maior parte da região também se urbanizou rapidamente, sem que serviços básicos como educação e policiamento acompanhassem o ritmo, causando a exclusão de grupos por todas as cidades. A América Latina também está infestada de armas de fogo, a maioria é ilegal. De acordo com o Instituto Igarapé cerca de 78% dos homicídios na América Central entre 2000 e 2015 foram causados por disparo de arma, comparado com uma média global de 32% – nos EUA a média é de 73%.
O crime organizado também tem grande parcela de culpa, principalmente para negócios com narcotráfico. Segundo o Wall Street Journal o crime organizado é responsável por dois terços dos homicídios no México. A violência, porém, não tem origem exclusiva da atividade criminosa. A América Latina também possui altas taxas de violência familiar. Na Colômbia, a data com maiores ocorrências de homicídio acontece durante o Dia das Mães e, em seguida, Ano Novo e Natal, quando há grande ingestão de bebidas alcoólicas.
A criminalidade na região resulta em uma mudança no cotidiano da população. Uma pesquisa levantada pela ONU mostrou que a maioria dos latino-americanos que participaram da entrevista afirmaram ter parado de sair à noite, enquanto 10% disse ter se mudado por medo da violência. Considerando a população total da América Latina, mais de 62 milhões sentiram a necessidade de se mudar.
Não é toda a região, porém, que sofre de altas taxas de violência. No Chile, por exemplo, calcula-se 3.6 homicídios por 100 mil habitantes, número muito abaixo do registrados nos EUA. O estado de Yucatán, no México, também possui uma taxa igualmente baixa. Até mesmo dentro das cidades o crime pode se concentrar apenas em determinadas localidades. Metade dos crimes cometidos em Bogotá, Colômbia, acontecem em apenas 2% da cidade.